"(...)um idioma que divirja justamente na frase “Eu te amo” não pode ter nenhuma esperança de unificação, falada, escrita ou o que seja.(...)"
Crónica de Ricardo Freire no jornal Estado de S. Paulo
(ligação não disponível, texto em linha no blogue do autor)
Acabo de devorar um livro que é a melhor e mais embasada crítica já escrita ao acordo ortográfico do português. Trata-se de “The Mother Tongue: English and how it got that way” (algo como “A Língua Materna: como o inglês ficou desse jeito), de Bill Bryson, o mesmo do genial “Uma breve história de quase tudo”.
Está bem, está bem: o livro não é exatamente sobre o acordo ortográfico do português. Não foi publicado agora, mas em 1990. E Bill Bryson não deve saber xongas sobre as diferenças entre as variantes do português dos dois lados do Atlântico – nem ao menos que o nosso “Eu te amo”, em solo luso, se diz “Amo-te”.
(Parênteses: na minha modesta opinião, um idioma que divirja justamente na frase “Eu te amo” não pode ter nenhuma esperança de unificação, falada, escrita ou o que seja.)
O que “The Mother Tongue” traz é uma fórmula vencedora de auto-ajuda para toda língua que queira conquistar amigos e influenciar pessoas. E a fórmula que fez do inglês o idioma mais influente do planeta, afirma Bryson, é justamente a sua falta de regulamentação.
Olhe que interessante: o período em que o inglês mais evoluiu foi durante os 300 anos – entre 1066 e 1399 – em que reis normandos mandaram na Inglaterra. Enquanto o francês era a língua oficial da Corte, a patuléia pôde fazer da língua inglesa o que bem lhe aprouvesse. Foi quando os gêneros acabaram abolidos, as conjugações verbais foram simplificadas, e os plurais saxões terminados em “n” e “r” foram naturalmente uniformizados em “s”.
Ao retomar o status de idioma oficial, o inglês moderno estava mais enxuto, mas continuava suficientemente vira-lata para incorporar tudo o que viria a passar pelo seu caminho: o vocabulário deixado pela corte francofônica, os neologismos fabricados pelos elizabetanos e vitorianos, os termos importados das colônias, as estruturas inventadas pelos americanos.
Até hoje ingleses e americanos não têm uma ortografia comum – nem querem ter. Os ingleses seguem o dicionário Oxford, os americanos seguem o Webster – e os dicionários seguem os britânicos e os americanos, registrando as grafias que ocorrem e vingam na vida real.
A ortografia inglesa não faz sentido? À primeira vista, não. Mas se a escrita fosse fonética, como diferenciar “eight” de “ate”, “see” de “sea”?
Eu não perdi as esperanças. Se até o confisco do Plano Bresser está reaparecendo, eu tenho certeza de que ainda vou ter os meus tremas e acentos de volta.
Ricardo Freire, Fevereiro 2009
quarta-feira, 11 de março de 2009
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2 comentários:
Como português a viver no Brasil, Bravo! Cada um que escreva como entender, Que uns usem o "planejamento", que outros usem o "planeamento", que uns digam "amo-te" e outros "eu te amo". A riqueza está na diversidade.
Como brasileiro e falante nativo da Língua Portuguesa, eu parabenizo todos os portugueses e brasileiros que apoiam o Movimento em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo.
Ao produzirem uma lista com cerca de 200 mil assinaturas contra o Acordo, considerando que Portugal é um país pequeno com população também pequena, se comparado ao Brasil, os portugueses deram aos brasileiros uma grande lição de cidadania, cultura, amor à Língua Portuguesa e até de patriotismo cultural, afinal, foi um português que escreveu "A Minha Pátria é a língua portuguesa".
Certamente, os grandes escritores brasileiros e portugueses apoiariam o Movimento em Defesa da Língua Portuguesa e contra o Acordo Ortográfico.
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